sexta-feira, 6 de junho de 2014

Textos utilizados durante a realização do projeto "Futebol e Linguagem"


Tadeu X Maria Angélica
Autor do Conto - José Roberto Torero,
Ilustrador - Gustavo Duarte
Nova Escola - Edição 192 - maio/2006

À primeira vista, Tadeu e Maria Angélica formavam um casal normal. Gostavam de cinema, de musica e de viagens. Mas acima de tudo, amavam o futebol. Só que infelizmente, torciam para times rivais.
No começo, isso não era grande problema. Maria Angélica não se importava quando Tadeu comemorava as vitórias do time dele e Tadeu até dava parabéns para Maria Angélica quando o clube dela vencia. Mas talvez isso só acontecesse porque os dois times eram muito ruins, e as vitórias, muito raras.
Então, o campeonato deste ano, as coisas mudaram. Novos reforços foram contratados, as equipes melhoraram e as torcidas começaram a ter esperanças.
As coisas mudaram tanto que os dois times chegaram à final do torneio.
Tadeu comprou um uniforme azul e amarelo para ir ao estádio. Maria Angélica foi com uma enorme bandeira verde e branca.
Os dois sentaram lado a lado durante a partida.
Para evitar brigas, tentavam não vibrar demais quando seus times acertavam um lance, nem zombar do outro quando a equipe adversária cometia algum erro.
O zero a zero vinha mantendo a paz do casal, porém, o último lance do jogo, quando o time de Tadeu marcou o gol da vitória, ele não se conteve e gritou: “Gooooooooooooool!!!” E assim mesmo, com dez letras “o”.
Mas ele não parou por aí. Começou a dançar em volta de Maria Angélica enquanto cantava “Ê, ô, ê, ô, o seu time é perdedor”.
Maria Angélica ficou verde de ódio. Então disparou:
— Tadeu, você passou dos limites. Cartão vermelho!
— Como assim, Maria Angélica, você está me expulsando do campo?
— E do casamento. Você pisou na bola!
— Tá, eu exagerei, mas também não precisa entrar de sola.
— Agora é tarde. Você chutou nosso amor para escanteio!
— Calma, eu não quero tirar o time de campo. Vamos tentar um segundo tempo...
— Não, senhor. Você já estava na marca do pênalti. Pode ir para o chuveiro!
— Quem sabe uma prorrogação?
— Não. Fim de jogo!
Tadeu sentou na arquibancada, apoiou a cabeça nas mãos e disse:
— Tudo bem, Maria Angélica, se você quer que eu pendure as chuteiras, é assim que vai ser. Mas isso me deixa muito triste, porque a gente fazia uma tabelinha em tanto. Eu acho que nossa amizade bate um bolão e sempre que eu a via, corria para o abraço. Sabe, eu vestia a camisa do nosso casamento... eu jogava por amor...
Aquela declaração deixou os olhos de Maria Angélica encharcados como um Maracanã sem drenagem.
Então ela jogou longe sua bandeira e abraçou Tadeu como se ele tivesse marcado um gol decisivo.
Tadeu olhou fundo nos olhos de Maria Angélica e, com voz emocionada, cantou:
— “Ê, ô, ê, ô, nosso amor é um terror!”
— Tadeu, foi a coisa mais linda que alguém já me disse.
Então, os dois beijaram-se, fizeram as pazes e viveram felizes para sempre.
Ou, pelo menos, até a próxima final de campeonato.


Era Inveja - Revista Época – 2005
Maitê Proença http://www.maite.com.br/
No Brasil três coisas são indiscutivelmente democráticas. A praia, que debaixo de um sol junta madame e funkeira trajadas no mesmo uniforme. O futebol, que une o ladrão e o padre numa imensa fraternidade. E o trânsito, que bota o Zé do Chevete e João do Jaguar lado a lado, paralisados pela mesma encrenca. Das três brasilidades, o futebol é o que mais me intriga.
Tenho um namorado que ama a bola. É uma pessoa cheia de virtudes, mas se há uma constância em seu caráter, esta é a impontualidade. Não consegue chegar na hora, o mundo o atrapalha, a menos é claro no caso do futebol. Não falo aqui daquele jogo no estádio com hora oficial pra começar, refiro-me à pelada, ao racha, aquele bate-bola entre amigos, que no caso aqui de casa acontece três vezes por semana. O campo é longe, uma viagem, o sol a pino - não importa. Dia do compromisso logo cedo o moço fica ansioso, não pode atrasar e não há imprevisto que o segure. Nesses dias meu amor é um britânico!
Sábado desses resolvi acompanhá-lo. Os companheiros de partida não gostaram nadinha, mas gentis, fizeram que sim. Aquilo não é lugar de mulher eu já devia saber. Pra compensar o mal-estar, começa o jogo e eu bato muita palma, exagero o entusiasmo, assovio e tanto faço que o dono do campo a quem eu bajulava escancaradamente sentiu-se na obrigação de me dedicar um gol. Segue o embate com altos e baixos, a coisa aquece e pimba... um golaço, aquele chutão do meio do campo pra dentro da rede à Roberto Carlos.
As más línguas desmerecendo o artilheiro, dizem que o momento é histórico e não se repetirá - não acredito, foi jogada de mestre; vi e guardarei na memória. Continua a partida com bons momentos, outros nem tanto, uma contusão aqui, uma falta ali, um corpo caído no chão. De repente me bate uma estranheza e vou percebendo que acima da bola, das jogadas, do corre pra lá e pra cá, o que mais se via, na verdade, eram discussões, ofensas, xingamentos e uma roubalheira de fazer corar um palmito. A coisa chegou num ponto em que tive a certeza que terminado aquilo os adversários não voltariam a se falar. Acaba o jogo. Entre vitórias e desilusões, corre-se pro vestiário e devo dizer que nem na feira fala-se tão alto e ao mesmo tempo quanto num banheiro cheio de homens; eu não estava dentro, mas nem precisava... Fiquei quietinha do lado de fora esperando meu namorado, que, pela delonga, tomava um banho de Cleópatra. Assim, pude observar bem os outros rapazes que sorridentes e limpinhos iam saindo do vestiário qual amigos de infância. Aqueles mesmos que há pouco se juravam de morte agora pavoneavam-se uns pros outros aos tapinhas nas costas. Havia ali cantores, compositores, um sapateiro, o editor de um jornal, um empresário da música, atores, um jogador aposentado, dois médicos, e alguns moços das redondezas empobrecidas cuja competência em campo desequilibrara o jogo - tudo adversário de sangue na hora da bola e amigo do peito na saída pro chopp. Na pelada não há rancores, o que se passa em campo fica no campo. Nem pudores, ali são todos craques - o vírus da imodéstia ataca democraticamente. Uma beleza!
Fui-me embora com um vazio a futucar o espírito. O que nós mulheres temos de parecido, o shopping, o salão? Nem chegam perto. Não pode xingar, espernear, soltar os sapos da garganta - além do que, num e noutro, o máximo de exercício que se faz é com a língua na futrica da vida alheia - muito chato. Não havia como negar, o brinquedo dos rapazes é divertido como só, e meu vazio era de inveja.
Nós mulheres não temos nada que se compare.


O torcedor
Carlos Drummond de Andrade
No jogo de decisão do campeonato, Eváglio torceu pelo Atlético Mineiro, não porque fosse atleticano ou mineiro, mas porque receava o carnaval nas ruas se o Flamengo vencesse. Visitava um amigo em bairro distante, nenhum dos dois tem carro, e ele previa que a volta seria problema.
O Flamengo triunfou, e Eváglio deixou de ser atleticano para detestar todos os clubes de futebol, que perturbam a vida urbana com suas vitórias. Saindo em busca de táxi inexistente, acabou se metendo num ônibus em que não cabia mais ninguém, e havia duas bandeiras rubro-negras para cada passageiro. E não eram bandeiras pequenas nem torcedores exaustos: estes pareciam terem guardado a capacidade de grito para depois da vitória.
Eváglio sentiu-se dentro do Maracanã, até mesmo dentro da bola chutada por 44 pés. A bola era ele, embora ninguém reparasse naquela esfera humana que ansiava por tornar a ser gente a caminho de casa.
Lembrando-se de que torcera pelo vencido, teve medo, para não dizer terror. Se lessem em seu íntimo o segredo, estava perdido. Mas todos cantavam, sambavam com alegria tão pura que ele próprio começou a sentir um pouco de flamengo dentro de si. Era o canto? Eram braços e pernas falando além da boca? A emanação de entusiasmo o contagiava e transformava. Marcou com a cabeça o acompanhamento da música. Abriu os lábios, simulando cantar. Cantou. Ao dar fé de si, disputava à morena frenética a posse de uma bandeira. Queria enrolar-se no pano para exteriorizar o ser partidário que pulava em suas entranhas. A moça, em vez de ceder o troféu, abraçou-se com Eváglio e beijou-o na boca. Estava batizado, crismado e ungido: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.
O pessoal desceu na Gávea, empurrando Eváglio para descer também e continuar a festa, mas Eváglio mora em Ipanema, e já com o pé no estribo se lembrou. Loucura continuar flamengo a noite inteira à base de chope, caipirinha, batucada e o mais. Segurou firme na porta, gritou: "Eu volto, gente! Vou só trocar de roupa" e, não se sabe como, chegou intacto ao lar, já sem compromisso clubista.

UM SONHO NO ESTÁDIO VAZIO
POR MOACYR SCLIAR
Desde criança ele vivia o tradicional sonho brasileiro: queria ser um grande jogador de futebol, destes que fazem carreira meteórica, que são convocados pela seleção, que ganham grandes quantias em dólar ou em euro. Um sonho que o acompanhava constantemente mas que, infelizmente, seria difícil de realizar. Porque ele era muito ruim no futebol. Muito ruim, não: ele era espantosamente ruim. Como é que um cara pode ser tão ruim, perguntavam os amigos, espantados. Ele errava os chutes, ele tropeçava na bola, ele não sabia fazer um passe. Até um gol contra conseguiu fazer, e foi o único de sua vida. Desiste, era o conselho que lhe davam os pais, os irmãos, os colegas de escola. Mas ele não desistia. A sua vida teria, de qualquer maneira, um estádio de futebol como cenário.
O que acabou acontecendo, mas não da maneira como esperava. De família pobre, cedo precisou arranjar um emprego. Como entendia alguma coisa de gramados (trabalhara como ajudante de jardineiro) foi contratado por um grande time da capital para fazer exatamente isso, cuidar do gramado. No que era imbatível. O gramado era uma perfeição, elogiado por jogadores, por juízes, por torcedores, pela imprensa. Gratificante, mas insatisfatório. Ele não queria cuidar do gramado, queria correr sobre o gramado, usando o uniforme do clube.
E um dia resolveu fazê-lo. Tendo chegado muito cedo ao estádio viu-se absolutamente sozinho ali. Mais: no vestiário encontrou um uniforme que um dos jogadores tinha deixado ali, e que ainda cheirava a suor. Junto, uma bola. Uma mensagem do destino.
Ele não hesitou. Tirou a roupa, vestiu o uniforme, pegou a bola e adentrou o gramado. Colocou a bola no centro do campo e, ouvindo um apito imaginário, deu início à partida. Com alguma dificuldade (Deus, ele era ruim mesmo) mas incentivado pela torcida igualmente imaginária, partiu em direção ao gol adversário, guarnecido (imaginariamente, claro) por um gigantesco goleiro. E aí, de curta distância, chutou no canto esquerdo.
Errou, claro. Errou feio. A bola, fraca, passou a uns cinco metros da trave.
Naquele silêncio sepulcral, ele catou a bola e voltou com ela sob o braço para o vestiário. Vestiu as roupas de jardineiro e foi trabalhar. Grandes jogadores precisam de grandes gramados. Disso ele cuidaria. Era sua missão. Era a sua maneira de vencer a partida da vida.


FUTEBOL DE RUA
Luís Fernando Veríssimo
Pelada é o futebol de campinho, de terreno baldio. Mas existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno. Se você é homem, brasileiro e criado em cidade, sabe do que eu estou falando. Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora.
Não sei se alguém, algum dia, por farra ou nostalgia, botou num papel as regras do futebol de rua. Elas seriam mais ou menos assim:
DA BOLA : A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola
de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor, que sairá correndo para se queixar em casa. No
caso de se usar uma pedra, lata ou outro objeto contundente, recomenda-se jogar de sapatos.
De preferência os novos, do colégio. Quem jogar descalço deve cuidar para chutar sempre com aquela unha do dedão que estava precisando ser aparada mesmo. Também é permitido o uso de frutas ou legumes em vez da bola, recomendando-se nestes casos a laranja, a maça, o chuchu e a pêra. Desaconselha-se ouso de tomates, melancias e, claro, ovos. O abacaxi pode
ser utilizado, mas aí ninguém quer ficar no golo.
DAS GOLEIRAS : As goleiras podem ser feitas com, literalmente, o que estiver
à mão. Tijolos, paralelepípedos, camisas emboladas, os livros da escola, a merendeira do seu
irmão menor, e até os eu irmão menor, apesar dos seus protestos. Quando o jogo é importante, recomenda-se o uso de latas de lixo. Cheias, para agüentarem o impacto. A distância regulamentar entre uma goleira e outra dependerá de discussão prévia entre os jogadores. Às vezes esta discussão demora tanto que quando a distância fica acertada está na hora de ir jantar. Lata de lixo virada é meio golo.
DO CAMPO : O campo pode ser só até o fio da calçada, calçada e rua,
calçada, rua e a calçada do outro lado e nos clássicos o quarteirão inteiro. O mais comum é jogar-se só no meio da rua.
DA DURAÇÃO DO JOGO Até a mãe chamar ou escurecer, o que vier
primeiro. Nos jogos noturnos, até alguém da vizinhança ameaçar chamar a polícia.
DA FORMAÇÃO DOS TIMES O número de jogadores em cada equipe varia,
de um a 70 para cada lado. Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque.
DO JUIZ : Não tem juiz.
DAS INTERRUPÇÕES : No futebol de rua, a partida só pode ser paralisada
numa destas eventualidades:
a) Se abola for para baixo de um carro estacionado e ninguém conseguir tirá-la. Mande o seu irmão menor.
b) Se abola entrar por uma janela. Neste caso os jogadores devem esperar não
mais de 10 minutos pela devolução voluntária da bola. Se isto não ocorrer, os jogadores devem designar voluntários para bater na porta da casa ou apartamento e solicitar a devolução, primeiro com bons modos e depois com ameaças de depredação. Se o apartamento ou casa for de militar reformado com cachorro, deve-se providenciar outra bola.
Se a janela atravessada pela bola estiver com o vidro fechado na ocasião, os dois times devem reunir-se rapidamente para deliberar o que fazer. A alguns quarteirões de distância.
c) Quando passarem pela calçada:
1) Pessoas idosas ou com defeitos físicos.
2) Senhoras grávidas ou com crianças de colo.
3) Aquele mulherão do701quenunca usa sutiã.
Se o jogo estiver empate em 20 a 20 e quase no fim, esta regra pode ser
ignorada e se alguém estiver no caminho do time atacante, azar. Ninguém mandou invadir o campo.
d) Quando passarem veículos pesados pela rua. De ônibus para cima. Bicicletas e Volkswagen, por exemplo, podem ser chutados junto com a bola e se entrar é golo.
DAS SUBSTITUIÇÕES Só são permitidas substituições:
a) No caso de um jogador ser carregado para casa pela orelha para fazer a
lição.
b) Em caso de atropelamento.
DO INTERVALO PARA DESCANSO: Você deve estar brincando.
DA TÁTICA : Joga-se o futebol de rua mais ou menos como o Futebol de
Verdade (que é como, na rua, com reverência, chamam a pelada), mas com algumas importantes variações. O goleiro só é intocável dentro da sua casa, para onde fugiu gritando por socorro. É permitido entrar na área adversária tabelando com uma Kombi. Se a bola dobrar a esquina é córner.
DAS PENALIDADES ; A única falta prevista nas regras do futebol de rua é
atirar um adversário dentro do bueiro. É considerada atitude antiesportiva e punida com tiro indireto.
DA JUSTIÇA ESPORTIVA : Os casos de litígio serão resolvidos no tapa.


Sem exagero
Luis Fernando Veríssimo - O Estado de S.Paulo
Fizeram um encontro meu com o Abel Braga quando ele estava treinando o Internacional, e descobrimos uma coincidência. O primeiro jogo que ele viu no Maracanã, ainda garoto, ao lado do pai, foi o último que eu vi, já nada garoto, perto de me casar. Santos e Milan, novembro de 1963. Até então eu não perdia jogo do Botafogo, da seleção ou do Santos no Maracanã. Morava no Leme e pegava o ônibus Leme-Triagem, atravessava a pé a Quinta da Boa Vista e ia para a arquibancada. Sim, o Santos jogava suas partidas decisivas no Maracanã. O Maracanã enchia para ver o Pelé. Mas no jogo que o Abel, eu e uma multidão vimos o Pelé não jogou. O herói da noite foi o Almir. O Pelé da noite foi o Almir.
Volta e meia, vem a discussão. Pelé era mesmo tudo que se diz dele? O Maradona era melhor? O Messi é melhor? Meu testemunho não interessa. Ele reinou quando já havia videotape. Seus feitos estão bem documentados. Você não precisa recorrer à literatura para contar às crianças como era o seu futebol - ao contrário das façanhas de gente como Ademir e Zizinho, que ficaram na memória dos velhos e em filmes desbotados, nenhuma das duas coisas muito confiáveis. E o grande mérito de Pele é que ele resiste ao videotape completo. Se tivesse ficado só em filme, só os seus grandes momentos estariam registrados. Já o videotape completo traz tudo: o passe errado, o tombo sentado, a chuteira desamarrada. E Pelé resiste aos detalhes. Ele era bom até amarrando a chuteira.
Com o futebol aconteceu um pouco do que aconteceu com a guerra: quanto mais realista a sua reprodução, mais difícil romanceá-la. Quando só se via cenas de guerra em quadros épicos em que até os cadáveres colaboravam na composição, ela podia ser glorificada sem contestações, salvo as estéticas. Fora as gravuras de Goya, não se conhece um quadro sobre a guerra, antes da invenção da fotografia, que não a exaltasse. A fotografia primitiva roubou da guerra a cor e a composição artística, o filme e o tape dinamizaram o horror, o "zoom" destacou o detalhe. Ainda há quem ame a guerra mas nunca mais a percepção dela foi a mesma.
E o futebol também mudou, o que só aumentou a dificuldade em julgar jogadores antigos pelas precárias imagens que ficaram deles e pelo que contam - com o inevitável toque romântico do exagero - os que os viram jogar. Algumas das grandes reputações do passado sobreviveriam aos cinco no meio e à marcação no campo todo de hoje? Pelé pegou o começo do futebol sem espaço. Não só se impôs como deixou o exemplo de como sobreviver no sufoco. A extrema objetividade (nunca se viu um drible do Pelé apenas pela satisfação do drible, era sempre um espaço conquistado), a antecipação da jogada seguinte antes mesmo da jogada presente começar, a solidariedade, a simplicidade. Melhor do que Maradona, melhor do que Messi, e dou fé.


O Sexo e o Futebol
Luis Fernando Veríssimo
No que se parecem o sexo e o futebol?
No futebol, como no sexo, as pessoas suam ao mesmo tempo, avançam e recuam, quase sempre vão pelo meio, mas também caem para um lado ou para o outro, e às vezes há um deslocamento.
Nos dois é importantíssimo ter jogo de cintura.
No sexo, como no futebol, muitas vezes acontece um cotovelaço no olho sem querer, ou um desentendimento que acaba em expulsão.
Aí um vai para o chuveiro mais cedo. Dizem que a única diferença entre uma festa de amasso e a cobrança de um escanteio é que na grande área não tem música, porque o agarramento é o mesmo, e no escanteio também tem gente que fica quase sem roupa.
Também dizem que uma das diferenças entre o futebol e o sexo é a diferença entre a camiseta e a camisinha. Mas a camisinha, como a camiseta, também não distingue, ela tanto pode vestir um craque como um medíocre.
No sexo, como no futebol, você amacia no peito, bota no chão, cadencia, e tem que ter uma explicação pronta na saída para o caso de não dar certo.
No futebol, como no sexo, tem gente que se benze antes de entrar e sempre sai ofegante. No sexo, como no futebol, tem feijão com arroz, mas também tem o requintado: a firula e o lance de efeito. E, claro, o lençol.
No sexo também tem gente que vai direto no calcanhar. E tanto no sexo quanto no futebol o som que mais se ouve é aquele "uuuuuuu".
No fim, sexo e futebol só são diferentes, mesmo, em duas coisas.
No futebol, com a devida exceção ao goleiro, não se pode usar as mãos.
E o sexo, graças a Deus, não é organizado pela CBF.
LEILA E ZÉ NELSON
Claudio Lovato Filho
Leila reza todo dia, todo santo dia, para que Deus proteja seu menino, Zé Nelson. Reza todo dia, várias vezes por dia por ele, seu único filho, seu garoto.
Zé Nelson que sempre, talvez desde antes mesmo de nascer, só pensa em jogar bola, só pensa em futebol.
Mas agora Leila sabe que terá de rezar ainda mais, porque Zé Nelson virou jogador profissional e, pelo que ela ficou sabendo, pelo que ela sempre viu e ouviu no jornal, na TV e no rádio, futebol profissional não é brincadeira, tem violência no campo, tem violência de torcedor, tem safado por todo o lado, aparece falso amigo toda hora para tentar tirar casquinha, levar alguma vantagem, e isso sem falar em mulher esperta querendo engravidar.
“Meu Deus”, ela pensa todas as noites, antes de pegar no sono, “Meu Deus, proteja o meu garoto. Leve o meu Zé Nelson pela mão, Senhor”. Zé Nelson, que acabou de completar 18 anos e que ainda nem barba tem, Zé Nelson com aquelas pernas finas dele, aquelas perninhas arqueadas que nem as do pai dele. “Ai, meu Deus, proteja o meu menino”.
São muitos pais-nossos e muitas aves-marias, todos os dias. É isso o que lhe apazigua o espírito, o que lhe dá calma, porque ela tem de afastar muitos pensamentos da cabeça, muita ideia ruim, aquele amigo dele que também joga no clube, o Luiz Fernando, que tem uma família que todo mundo sabe que é metida com droga, a família toda, e aquele seu Morais, o sujeito que ajudou Zé Nelson a se tornar profissional, ajudou o Zé Nelson a assinar o primeiro contrato no clube e que prometeu que um dia o garoto vai jogar na Europa. “ Não consigo confiar no seu Morais, mas ele ajuda o Zé Nelson, ele nos ajuda. Ai, meu Deus, proteja o meu garoto! E depois tem aquilo que o seu Mauro, o nosso vizinho, me disse:” “- Olha Leila, o garoto tem que se cuidar, porque pequeno, magrinho e driblador desse jeito ele está arriscado a tomar muita porrada nos jogos. Tomara que nunca quebrem ele, mas o futebol está muito violento hoje em dia.”
Pais-nossos e aves-marias, muitos por dia, porque Leila quer o bem do seu garoto, que ver o seu menino protegido, o seu menino que já disse que a principal razão de ter virado jogador foi a vontade e a necessidade e o objetivo (ele falou assim mesmo: objetivo) de dar uma vida melhor para ela, Leila, sua mãe, sua mãezinha querida, que faz faxina para botar comida na mesa, sozinha, desde que ele se lembra. Zé Nelson, o filho único de Leila, menino que só teve pai até os dois anos de idade, quando o cara, de nome Andreíno, foi embora um dia por causa de outra mulher.
E assim são os dias de Leila e Zé Nelson: ela rezando e ele jogando bola, sonhando com dias melhores, dias em que eles vão rir o tempo todo e ela não vai mais ter de trabalhar, vai só ficar na vida mansa, na beira da piscina, e ele vai jogar onde for – no Brasil, na Europa, no Oriente, em qualquer lugar, não importa -, desde que eles (ela, principalmente) possam deitar à noite sem preocupações e acordar de manhã sem sustos.
Leila reza, Zé Nelson joga. Foi assim que eles arranjaram um jeito de entrar em entendimento com o mundo, assim mesmo, com pais-nossos, aves-marias e perninhas cambotas em disparada pelos gramados da vida, habilidosas e protegidas por Deus Nosso Senhor, a pedido de sua mãe.
SOZINHO, SOB A CHUVA, NO FRIO, CHUTANDO
Claudio Lovato Filho
Eu me pergunto: Por que é que aquele cara está lá até agora, sozinho, debaixo de chuva, no frio, treinando faltas, chutando e chutando e chutando no gol vazio, já que nem o goleiro dos juniores aguentou ficar mais tempo?
É, eu me pergunto: Por que é que justamente o sujeito mais velho do time, que já tem até cabelo grisalho, o astro, a celebridade, está fazendo isso, chutando no gol vazio, fazendo a bola passar por cima ou pelos lados da barreira móvel, quando já é começo da noite, venta forte e não se enxerga mais quase nada e não há mais ninguém no estádio?
Lá está ele, de agasalho azul e branco todo sujo, todo molhado, o capuz na cabeça, a chuteira parecendo mais uma bota de lama, ensopado, chutando e chutando e chutando, sendo que já tem absoluta maestria na cobrança de falta, é um exímio batedor, domina a arte e o ofício, não tem como ficar melhor nisso (embora ele deva achar que tem).
Por que é que esse cara não está em casa, com a mulher e os dois filhos pequenos, comendo uma boa massa e tomando um vinho tinto de primeira, que ele tanto gosta porque aprendeu a curtir coisas boas em suas andanças pelo mundo e também porque tem uma ascendência italiana que lhe botou certos gostos na cabeça e certas preferências no paladar?
Esse cara é o capitão do time, esteve na última Copa do Mundo e foi muito bem, é um dos maiores herois que essa torcida já teve, está rico porque soube investir o dinheiro que ganhou, e ainda está vindo de lesão, uma lesão séria, muscular, panturrilha.
Então eu me pergunto: Por que é que ele está lá até agora, na chuva, nesse frio de lascar, com uma baita ventania, sozinho, chutando e chutando e chutando há exatos quarenta e oito minutos, depois de um treino coletivo daqueles que deixam até garoto de 18 anos acabado?
Hoje eu vou embora pensando nesse cara, no nosso capitão. Eu já vi muita coisa acontecer num campo de futebol. Inclusive cenas desse tipo, de batedores de falta (alguns, como no presente caso, brilhantes) tentando se aperfeiçoar, gente batalhadora que quer conquistar algo mais. Mas às vezes é diferente. Como agora. É o cenário, o contexto, sei lá. O jeito de o cara caminhar até o gol para buscar as bolas e recomeçar a chutar, sozinho. A cabeça baixa, os olhos fixos no gramado, a vontade de ferro, a crença nele mesmo, a certeza de estar fazendo o que tem de fazer, de estar no caminho certo, de estar vivendo a própria vida, de estar sendo quem ele é, e de depender da única pessoa de quem ele poderia mesmo depender nesta vida: ele próprio.
Então eu me respondo: Ele está fazendo isso porque se sente bem.
Eu me respondo: Ele está fazendo isso porque gosta demais da vida que tem. E não queria outra, não mesmo.
Ele é feliz assim.


UM GRANDE PESO
Claudio Lovato Filho
“É só jogar”, o técnico tinha lhe dito várias vezes ao longo dos últimos dias. “É só jogar o seu futebol”.
Ele tentou acreditar nisso. Tentou se imbuir do sentimento de que seria apenas o caso de entrar em campo e jogar seu futebol.
Gente boa, esse seu novo treinador.
Mas falar sempre foi mais fácil do que fazer.
A alguns minutos de começar a andar pelo estreito corredor e subir a escadaria que levava ao campo do estádio de seu ex-clube, pelo qual jogou durante exatos 11 anos e sete meses, ele estava nervoso. O coração estava disparado e havia um suor frio descendo pelas costas, um suor que nada tinha a ver com o suor normal do aquecimento no vestiário. Mas também havia um desconforto terrível cada vez que percebia um dos novos companheiros olhando com o que ele avaliava ser um olhar de desconfiança, e um exasperante tremor nas mãos e nas pernas enquanto fazia sua oração individual num canto do vestiário dos visitantes, vestiário que ele usava pela primeira vez.
“É só jogar”, disse e repetiu o treinador, a semana inteira. “É só jogar o seu futebol”.
Pois sim.
Ele é que sabia o que estava enfrentando. Ele é que sabia.
Perguntava-se se seria aplaudido, vaiado ou tratado com indiferença pela torcida da qual fora ídolo durante mais de uma década.
E se fosse vaiado? Como reagiria? Era um sujeito tímido. Não conseguiria colar um sorriso na cara, dar tantas entrevistas quantas fossem solicitadas pelos repórteres de campo e sair trotando. Não conseguiria.
E se fosse aplaudido? Tentaria levantar os braços e acenar para a torcida, acenos para todos os quadrantes do estádio. Isso ele acha que conseguiria fazer. E, se isso acontecesse, seria o homem mais feliz do mundo.
Mas e se fosse concedida a ele apenas a mais pura e simples indiferença? Bom, isso era tudo o que ele não queria. Talvez até mesmo preferisse as vaias.
O técnico agora chegara ao seu lado. Já estavam todos de pé, começando a caminhar em fila em direção à escadaria. O técnico lhe disse:
- E aí? Tudo bem?
E ele respondeu:
- Beleza.
Então os jogadores de seu novo time, o segundo time que ele defendia na vida, começaram a caminhar pelo corredor estreito e escuro que levava ao campo, e ele, naquele exato instante, quis muito, quis de todo o coração estar bem longe dali, quis estar ao lado da mulher e dos três filhos, caminhando com eles na beira do açude que ficava no terreno comprado havia um ano em sua cidade natal, no interior, no qual ele construíra uma casa pequena, porém muito simpática e confortável, seu refúgio, seu pequeno e indevassável paraíso. Mas não podia estar lá agora. Não estava lá. Estava ali, no estádio que fora sua casa, ou talvez até mais do que isso, por 16 anos, contando o tempo das categorias de base.
Ele estava no meio da fila – nem entre os primeiros jogadores que iriam pisar o gramado nem na rabeira. Logo atrás dele, um companheiro de time, um velho conhecido com o qual jogara junto e chegara a fazer boa amizade no início da carreira, colocou a mão em seu ombro e deu dois tapinhas, rápidos e firmes. Um gesto simples, solidário e sincero. Ele virou-se e sorriu. Camaradagem singela, atitude de valor que jamais seria esquecida.
A luz do sol bateu em cheio em seu rosto quando o companheiro que estava imediatamente à sua frente venceu o último degrau da escadaria e entrou em campo. Quando isso aconteceu, não levou nem mais um segundo para que ele começasse a ver, na saída da boca do túnel, uma enorme quantidade de repórteres com suas câmeras e seus microfones, todos olhando para ele e vindo em sua direção. Mas ele queria olhar mais atrás e mais acima deles, ele queria ver a torcida. E foi abrindo caminho entre repórteres e cinegrafistas e fotógrafos, o passo apressado em direção ao campo, e quando conseguiu chegar lá, bem no centro do gramado, no grande círculo, que era sua região preferida de trabalho, ele levantou os olhos para as arquibancadas, e o que ele viu e ouviu (o que ele viu e ouviu!) naquele momento o fez se sentir feliz de um jeito até então desconhecido para ele; fez com que sentisse completamente realizado. Naquele momento ele se convenceu, profunda e definitivamente, de que tinha feito tudo da melhor maneira possível; tinha feito tudo de maneira honesta e honrada.
E então seu coração ficou leve. E ele jogou.


Herói
Claudio Lovato Filho

O jovem ponta-esquerda (naquele tempo existiam ponta-esquerdas) estava sentado sozinho nas sociais do estádio, lendo uma carta. Entre os dedos da mão esquerda segurava um cigarro (naquele tempo os jogadores podiam ser vistos fumando, até mesmo no estádio). O jogador estava totalmente concentrado na leitura da carta, e o menino imaginou que podia ser uma carta dos pais ou da namorada. O menino tinha 13 anos e só pensava em futebol. O ponta-esquerda tinha 19 e era o grande ídolo do menino.
O menino estava com dois companheiros da escolinha, da sua mesma idade. Depois de cochicharem nervosamente e pesarem os prós, os contras e os riscos (tudo isso tendo durado não mais do que um minuto e meio), eles começaram a descer os degraus das sociais em direção ao jogador, que continuava absorto na leitura. Então se aproximaram, disseram o nome dele, ele interrompeu a leitura da carta, bateu a cinza do cigarro e recolheu as carteirinhas de presença, uma a uma, e a caneta que um dos meninos lhe dera, e pôs seu autógrafo nas capas internas e as devolveu com um sorriso quase imperceptível e um balançar de cabeça mais imperceptível ainda. E eles disseram um “obrigado”, seguido do nome do jogador, em um volume de voz mais alto do que era a intenção deles, e começaram a subir as escadas, cada um com o seu troféu bem guardado no bolso ou na mochila, e foi assim que o ponta-esquerda, que já era um ídolo deles, passou a uma condição ainda mais importante, à categoria de herói com quem eles tiveram um momento de proximidade e interação real, um herói que escreveu seu nome num pedaço de papel que era deles, só deles, um ato que não significou absolutamente nada para mais ninguém neste mundo, mas que para eles foi demais, foi uma experiência a ser guardada para sempre na memória e no coração.


O lugar da memória
Claudio Lovato Filho
“Vamos lá, pai. Vamos pro jogo”.
“Não, filho, não vou”.
“De novo, pai? Por que isso?”
“Nada, filho, nada de mais”.
“Já é a quarta vez que eu te convido e você sempre recusa… Por que isso, pai?”
“Aquilo lá não é pra mim, filho”.
“Como assim, pai? Por que você está dizendo isso?”
“Piso de mármore, filho?”
“Pai…”
“Colunas de granito? Aço escovado no banheiro?”
“Qual é o problema, pai? Nós não merecemos? Nosso clube não merece? Você queria que a gente sentasse no cimento?”
“É luxo demais, filho. Futebol não é isso… Aquilo é um exagero. É ostentação demais.”
“Nosso clube é grande, pai. Tinha que ter um estádio assim! Não podemos ficar pra trás!”
“Aquele dia…”
“O quê?”
“Aquele dia em que nós fomos visitar as obras, um pouco antes da inauguração…”
“Sim, eu me lembro. O que é que tem?”
“Eu achei aquilo triste, filho. Aquele negócio todo lá, tudo muito bonito, muito moderno, mas me deu uma tristeza que eu vou te contar…”
“Pai! As coisas mudam! Não podíamos mais ficar no nosso estádio. Ele ficou antigo, ultrapassado, dava mais despesa que receita!”
“Eu sei”.
“A tristeza que você sentiu…”
“Sim?”
“Pai, você passou a infância, a adolescência e mais um tempão no nosso antigo estádio”.
“Sim foi.”
“Ele faz parte da sua história, da história da sua vida”.
“Faz, sim”.
“Faz parte da minha também, mas faz muito mais da sua”.
“Claro, natural”.
“Pai, a tristeza que você sentiu quando foi ver as obras tem uma explicação simples”.
“Ah, é? E qual seria?”
“Você não viu seu passado lá”.
“Não, não vi”.
“Mas claro, pai! Ninguém viu! Isso seria impossível! Porque a nossa arena está nascendo agora. Não tem história. Ainda. Não existe uma memória ligada a ela. Ainda não. Ela é o nosso presente, mas é, principalmente, o nosso futuro, pai!”
“Sei lá…”
“Pai, dá uma chance para a nossa nova casa!”
“…”
“Dá uma chance para o nosso clube se renovar, pai! Uma chance para ele se preparar para o futuro!”
“…”
“Dá uma chance pra você mesmo, pai!”
Então eles ficaram em silêncio. O filho com a camisa do clube, carteira de sócio na mão, sentado na ponta do o sofá, olhando para a rua pela janela da sala de estar. O pai, recostado em sua poltrona, com a TV ligada no canal que ia transmitir o jogo. Ele, o pai, decidiu que, sim, daria uma chance. O filho estava certo, certo até demais. Tudo o que o filho dissera estava correto. Ele, pai, já entendera isso há muito tempo, antes mesmo da desativação e da demolição da antiga casa. Sim, ele daria uma chance. Faria isso pelo filho e por ele mesmo. Ainda que não tenha nenhuma convicção sobre o acerto de sua decisão e a chance de êxito da empreitada.


Jogo de Estréia
Aguinaldo Araújo Ramos
(...) - Mariana. (...) - Sete, faço oito mês que vem. (...) - Fluminense, né, páie?...
- O páie, seu amigo vai ao jogo? (...) - Eu vou! (...) - Maracanã!
(...) - Gosto! Acho bonito. É da cultura da gente.
(...) - Eu jogo! Na escola. (...) - Atacante. (...) - Gosto de fazer gol, ué?... (...) - Ah, um de bicicleta. A goleira me empurrou, eu caí de costas... Puxei a bola por cima de mim...
(...) - Não. Os dois têm jeito, meninos e meninas. Depende da pessoa. (...) - Eu sempre digo: ficam três marcando! Mas vai todo mundo junto atrás da bola... Tem que organizar.
(...) - De goleira, também. Que sou alta... (...) - Ah, não. Se me jogasse na bola, quebrava um braço por jogo.
- Vem com a gente!... (...) - Tá, tchau!
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- Esse ônibus tá muito cheio, páie! (...) - Que bagunça, essa torcida...
- Páie, eles tão gritando palavrão! (...) - Não gosto, não...
- Falta muito pra chegar? (...) - Vou tampar o ouvido.
- Páie, ainda tou ouvindo... (...) - Chegamos?... Até que enfim! (...) - Páie, se é pra xingar, eu não torço não...
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(...) - Cachorro-quente! (...) - Suco de quê? (...) - Goiaba é o que eu gosto mais.
- Páie, cabe todo mundo lá?... (...) - É, é um portão grande... (...) - Caramba, que rampa! Não sei se ‘güento chegar lá em cima não...
- Por aqui, chega no campo?... (...) - Ah, arquibancada... Quê que é...?... Puxa, é alto, aqui. O campo é lá longe... É verdinho, né?...
- O jogo, demora a começar?... (...)
- Páie, eu queria um sorvete... (...) - De chocolate!
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- Páie, quê que foi? (...) - Ah, é mesmo! Olha lá o Fluminense! (...) - Tô gostando! O que eu mais gosto é cor. (...) - Bandeira, uniforme... (...) - Uniforme é bonito. Preto e branco é que não combina... (...) - Não. Uniforme de Vasco e Botafogo é bonito. (...) - Vermelho e preto, combina! É Flamengo, mas combina... (...) - Combina: vermelho e verde! (...) - Grená? Quê que é grená?... (...) - Ah!, grená e verde! (...) - O da seleção brasileira. Também é bonito.
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- Páie, pra quê que eles tão gritando?... Nem começou o jogo... (...) - Pois eu só vou torcer na hora do jogo!
- Páie! Eles tão xingando! (...) - E esse barulho todo não atrapalha os jogadores? (...) - E por que todo o mundo tem um radinho? Não tão vendo o jogo?... (...) - É chato, esse barulho, páie. Bate tambor o tempo todo aquele ali, ó...
- Páie, pede a ele lá... (...) - Você podia... (...) - Ah, tá...
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- Páie, vam’bora?... (...) - É que não dá pra ver direito!
- Páie, manda o moço parar de tocar o tambor! (...) - Mas, eu quero!... (...) - Que barulhão!
- Moço, pára de tocar esse tambor! Ei, moço!... Ele não pára, páie...
- Páie, eles tão xingando de novo! Diz pra parar...
- Páie, você também tá gritando palavrão... (...) - Não! Quero ir embora! (...) - Eu quero ir! (...) – Choro, sim! Eu quero ir embora...
...
(...) - Mas, páie, quinze minutos é pouco?... Você queria ver mais?... Eu vi muito... Teve uma hora lá que quase fizeram um gol... (...) - Não, páie, eu gostei. É legal. Tem empolgação... (...) - Eu até queria ficar...
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- Esse ônibus tá vazio, né, páie?... Quieto...
- Páie, sabe duma coisa?... Gostei do Maracanã. (...) - Sério, páie!
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- Páie, quando tiver outro jogo... Você me leva?...

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